Asas ao alto: pombos a serviço do crime
por Gustavo Nolasco
Dois suspeitos se aproximam da Penitenciária Danilo Pinheiro, em Sorocaba. Eles querem levar peças de celulares aos presos. O material, possivelmente, vai fazer funcionar alguns aparelhos quebrados que já estavam dentro do presídio. A comunicação com o crime, do lado de fora, ganharia linhas extras.
Falha no sinal! A polícia interceptou, em pleno voo, os dois suspeitos. Eram pombos-correiro. Preso às patas, dois saquinhos com circuitos eletrônicos e outros componentes para celulares.
A operação do último sábado não pode ser considerada de vanguarda em se tratando das inúmeras estripulias que mulheres e até mesmo crianças se submetem para servir o crime.
Em junho de 2008, a mesma quantidade de aves foi localizada, dessa vez sob responsabilidade de uma mulher, em Marília. Em depoimento, ela garantiu que os pombinhos iam levar comida para os presos. A polícia, como de costume, não acreditou na boa ação. Drogas e celulares fazia mais sentido.
O fato é que: pombos-correio? O crime já foi mais engenhoso. Celulares no fundo falso da maleta, no cabelo da criança, no bolo, na esfiha de carne e na carne das mulheres. Às vezes, nem três agachadinhas sem roupa denunciam o ilícito.
Até disque-sequestro. A segurança no Brasil permite que presidiários façam 2.100 ligações, por dia, para extorquir cidadãos livres e o crime promova teleconferências, tribunais bandidos que fazem do chefe do tráfico um czar: “Dá um ‘cambau de louca’ nele, daquele que manda pra porta da UTI. É xeque-mate, irmão”.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo admite que, por mês, entram mais de 900 celulares nos presídios do estado. Com a ação da polícia, em Sorocaba, são 898. Os pombos não foram presos.
Além dissoVaticano pode pedir boicote a "Anjos e Demônios"; que tal?
do UOL
A assessoria de imprensa do Vaticano recusou-se a fazer comentários sobre a notícia. Produtores pediram permissão a autoridades da Igreja para filmar cenas de "Anjos e Demônios" no Vaticano, mas os pedidos foram negados. Anjos e demônios dos dois lados por Marcelo Gleiser Antes do best-seller "O Código Da Vinci", o escritor americano Dan Brown publicou "Anjos e Demônios" que, com o sucesso do "Código", virou também um best-seller. Apesar de o "Código" estar na minha estante, confesso que ainda não o li. Mesmo assim, acabei entrando no mundo de grandes intrigas e sociedades secretas de Brown pela porta dos fundos. O jornalista e editor Dan Burstein publicou um livro sobre o "Código", com ensaios de especialistas. Bem, o livro sobre o livro também virou um sucesso. Tanto que Burstein resolveu repetir a dose e está preparando um livro semelhante sobre "Anjos e Demônios". É aqui que eu entro; a pedido de Burstein, li o livro e estou respondendo às suas perguntas. Por que meu interesse em participar? Porque "Anjos e Demônios" trata da "guerra" entre ciência e religião, tema de extrema importância. "Anjos e Demônios" é escrito em estilo irresistível e acessível. Você prefere não dormir só para ler mais um pouquinho. Ele trata de questões que passam pela cabeça de todos: a existência de Deus, a possibilidade de se ter fé em um Universo que parece ter profunda indiferença por nós, a reconciliação entre o científico e o espiritual. Só que o livro leva o conflito entre razão e fé à uma conflagração apocalíptica. Quando se fala em "guerra" entre ciência e religião, o termo é usado de forma metafórica. O Vaticano ainda não bombardeou o Centro Europeu de Física de Altas Energias, o Cern. E o Cern também não tem planos de bombardear o Vaticano. Essa é a premissa do livro. A idéia é genial: um físico religioso acredita ter reproduzido o Big Bang em laboratório, tornando a gênese um evento científico. Sua intenção não era contestar a existência de Deus. Pelo contrário, o cientista queria provar que é possível se criar algo a partir do nada. Mas o feitiço virou contra o feiticeiro. Claro, a ciência de Dan Brown está completamente furada: seu cientista colidiu dois feixes de partículas a energias altíssimas. Da colisão surgiram partículas de matéria e antimatéria -o oposto das partículas de matéria. Por exemplo, um elétron tem como antipartícula um pósitron, com mesma massa e carga elétrica oposta. No livro, a criação de antimatéria é tratada como um evento fantástico, surgindo milagrosamente do ponto da colisão entre os dois feixes, feito a criação de matéria no Big Bang, vinda do nada. Na realidade, esse tipo de fenômeno é observado diariamente em aceleradores de partículas espalhados pelo mundo. O que ocorre é expressão da fórmula E=mc2: a energia das partículas em colisão é transformada em matéria, pares de partículas e antipartículas que "surgem" do ponto de colisão. O Big Bang é uma outra história. Sendo um livro de ficção, a ciência estar incorreta é menos importante do que a discussão da crise espiritual que assola o mundo. Em um certo ponto, a secretária do diretor do Cern, uma católica, exclama: "Será que os cientistas acham que quarks e mésons [partículas de matéria] inspiram o homem comum? Ou que equações podem substituir a necessidade de termos fé no divino?" Essa é a expectativa de muita gente, que o avanço da ciência implique na diminuição da fé. A ciência é vista como uma ameaça à religião: quanto mais aprendemos sobre a natureza, mais difícil é aceitar a existência de forças sobrenaturais. Realmente, sob o ponto de vista científico, a idéia de que existem forças ou entidades sobrenaturais não faz sentido. Afinal, se algo ocorre e é observado, esse algo deixa de ser sobrenatural. Se é ou não explicado pela ciência é outro problema. Via de regra, a explicação vem, mais cedo ou mais tarde. Ou seja, a expressão "fenômeno sobrenatural" não faz sentido. Mas existe um dogmatismo muito grande, dos dois lados. O avanço da ciência deixou um vácuo espiritual que ela não pode preencher. Perdas emocionais, questões éticas ou morais não serão decididas por teoremas ou experimentos. Por outro lado, negar o avanço científico é uma postura absurda. Existem anjos e demônios dos dois lados.
Membros da Igreja defenderam um boicote contra "O Código da Vinci" quando foi lançado em 2006, mas teve um efeito muito pequeno na popularidade do filme, baseado no best-seller de Dan Brown. O filme arrecadou aproximadamente 760 milhões de dólares nas bilheterias do mundo inteiro.
ENTENDA: Como funciona o graffiti de luz. Acima, montagem de Mike Benson e um show de beleza radical. Indo além, as considerações de Benjamin Júnior sobre a arte que começou com Picasso, mas só agora tem ganhado adeptos. Eles estão na França. Para saber mais vá...
Grafite de Luz
por Benjamin Júnior
editado por Gustavo Nolasco
O que significa lightgraff? É uma palavra formada pela contração de "light" (luz) e "graff", abreviatura de grafite, ou seja grafite feito de luz. Trata-se de uma disciplina artística recente que combina e unifica a técnica da escrita caligráfica e da fotografia em atos únicos e irrepetíveis. O lightgraff é efêmero e é isso que lhe confere beleza.
O lightgraff é puro e espontâneo: não há truques, não há margem para erros, não há tratamento digital posterior para correção. O artista não vê o que faz. Sente-o, quando muito, pois poderia fazê-lo de olhos fechados. É arte ao vivo. Ao contrário do grafite convencional não é intrusivo e não vandaliza. Não deixa marcas, apenas registos fotográficos. É imaterial e, ao mesmo tempo, tridimensional. O fotógrafo e o graffitter são as únicas testemunhas: um escreve, o outro registra.
Curisamente esta expressão visual foi iniciada por... Picasso. Recentemente tem ganhado um número crescente de adeptos e executantes, principalmente na França. Artistas como Rézine, Julien Breton e Brusk iluminam as noites de Paris e outras cidades francesas com pincéis de luz feitos de lâmpadas de néon, LEDs e ponteiros laser multicoloridos guiados por mãos precisas. Autodenominam-se "calígrafos". Vestem-se de negro para que as câmaras fotográficas, reguladas para um tempo de exposição longo, captem apenas as suas coreografias e ritmos. Muitas vezes estes espectáculos fugazes são acompanhados de um fundo musical que, infelizmente, não aparece nas fotografias.
É impossível ficar indiferente à beleza, significado e potencial desta expressão artística que reúne num instante fugaz um conteúdo tão intenso. Os calígrafos utilizam caracteres árabes e de outros alfabetos e combinam-os habilmente numa nova síntese. O grafite convencional empalidece ao pé destes símbolos pujantes. Há muito tempo que a escrita não conhecia uma evolução tão importante.
Piegas, mas envolvente
por Gustavo Nolasco
Acho que estava um pouco sensível, o filme me fez chorar.
Não pela história, um romance adolescente a mais. Mas a forma.
É um filme bem fotografado. A beleza, mesmo a de um garoto caindo na merda para ver o ídolo, mexe com as emoções.
A maior parte das pessoas quer que Jamal Malik seja milionário, e olha que dessa vez o foco não é no dinheiro. O favelado protagonista quer ser visto e escolheu o programa preferido da também favelada milionária para aparecer.
O Show do Milhão da Índia dá direito a brincadeiras do apresentador que humilham o rapaz do chá – Jamal era assistente de telefonista -, mas davam lugar a respostas humilhantes também. Afinal, estava ou não estava escrito?
Favela e tecnologia pintam não só a trajetória dos irmãos Malik, como também a trajetória do país que nesse aspecto, se encontra com o Brasil. Até a galinha de Cidade de Deus, de Fernando Meireles, tem seus segundos de fama.
Pra terminar, além do final que todo mundo já sabia. Dança, a la bollywood.
Slumdog Millionaire não é genial. Cumpre o papel, conta uma boa história e emociona. Cinema é pra isso?
Contextualizando
por Charles Helmich
Terminadas as filmagens, Quem Quer Ser Um Milionário? foi para a edição e chegou silenciosamente às salas de cinemas americanas no fim de agosto. Passados seis meses do lançamento oficial, a pergunta é inevitável: como um filme realizado na Índia com atores indianos e dirigido por um cineasta pouco convencional como Boyle faturou cerca de US$ 80 milhões, saiu consagrado nos principais festivais de cinema ganhando inclusive o Oscar de melhor filme? Mas o sucesso do “vira-lata milionário” se deve por muitas razões.
A principal delas: Danny Boyle. Se antes o britânico podia ser rotulado como “o cara que dirigiu Trainspotting e alcançou sucesso comercial com Extermínio” agora a coisa muda de figura. Um de seus méritos em Quem Quer Ser Um Milionário? foi adaptar um conto de fadas urbano, aliando a pirotecnia eletrizante dos trabalhos anteriores com a estética bollywoodiana. Em menores palavras: ele consegue contar uma história simples de maneira surpreendente.
O filme começa com uma interrogação: “Jamal Malik está a uma pergunta de ganhar 20 milhões de rúpias. Como ele conseguiu?” Um novo letreiro lança as alternativas. Terá Jamal (Dev Patel) trapaceado no jogo de perguntas e respostas? É sorte? Ele é um gênio? Ou…hmmm..está escrito? Com um recurso narrativo simples, Boyle arma a bomba que irá acionar lá no fim do filme. Mas até lá, o espectador ficará vidrado.
Na cena seguinte, descobrimos que Jamal é um menino pobre e sem estudo, de apenas 18 anos. Seu bom desempenho no jogo soa incoerente ao apresentador do programa que pede à polícia para torturá-lo até confessar a fraude. Na delegacia, o delegado ouve a trajetória insólita do garoto que apesar da pouca idade conviveu com a pobreza, o preconceito e a criminalidade.
De origem muçulmana, Jamal cresceu sem rumo ao lado do irmão Salim, aliciado ao crime organizado, e de Latika (Freida Pinto), o grande amor da sua vida. Foi para reencontrá-la que ele se inscreveu no “show do milhão indiano”. E foi a luta pela sobrevivência o conhecimento que proporcionou a ele acertar as perguntas.
Mumbai tecnológica
Entre flashbacks e o tempo corrente que meneiam a vida de Jamal, a câmera de Boyle registra uma trama onde a decadente e flagelada capital Bombaim dá lugar ao desenvolvimento social e a prosperidade tecnológica. Na infância, o protagonista é visto numa favela percorrendo vielas, casebres e animais. Uma cena em particular chama a atenção: a câmera abandona Jamal e passa a acompanhar uma galinha em movimento. Se Boyle não quis homenagear Fernando Meireles pela abertura de Cidade de Deus, ele emulou a cena inconscientemente. Das duas uma.
Na vida adulta do garoto vemos o renascimento de Bombaim, que passa a se chamar Mumbai. Salpicada de arranha-céus, a cidade que enriqueceu com a informática é captada com onipotência pelo diretor. E é do alto de um prédio em construção que Jamal reencontra Salim, então braço direito do traficante mais temido da região. É com a ajuda do irmão bastardo que ele conseguirá ter acesso ao seu prêmio mais valioso.
Todos esses elementos – amor, corrupção, violência e instinto- se harmonizam num desfecho previsível e melodramático. Um dramalhão escancarado com ares de fábula, no melhor estilo Bollywood. Alie, portanto, essa despretensão com a crítica social e o ritmo eletrônico de Boyle e temos um dos filmes mais originais do ano. Nesse panorama, o roteiro adaptado de Simon Beaufoy funciona como catalisador no sentido equilibrar os excessos da trama. O final em ritmo de dança é uma homenagem tácita do diretor ao cinema indiano.
Numa trajetória marcada por bons momentos – os ótimos Traisnpotting e Cova Rasa- e outros nem tanto – o medianoSunshine e o péssimo A Praia- Danny Boyle encontra fora do país, o seu golpe de mestre. Com Quem Quer Ser Um Milionário? o diretor finalmente chegou no seu auge. Como ele conseguiu?
A: Ele trapaceou
B. Ele é sortudo
C. Ele é BOM
D: Está escrito
Resposta fácil!
Além dissoCOMPROVADO: No post abaixo, a mentira e a auto-mentira. Acima, o engano coletivo. Nem as crianças estão a salvo das cotidianas mentiras sociais. E olha que isso é verdade. Para se informar melhor sobre a experiência acima e o que ela representa, em outro recorte, vá...
A ideia original
O vídeo é da Reporters Without Borders (Repórteres sem Fronteiras), organização internacional fundada em 1985, que tem o objetivo de lutar pela liberdade de imprensa e garantir os direitos dos jornalistas. Esse grupo de jornalistas que defendem o livre acesso à informação no mundo inteiro já protestaram contra a censura que existe em países como o Iraque e a Gambia, e recentemente, marcaram presença durante às Olimpíadas de Pequim.
Enfim, o novo vídeo é criação da Saatchi & Saatchi, com produção da Wanda Productions, ambas de Paris. A idéia é mostrar um experimento onde duas crianças são deixadas sozinhas, sem saberem que estão sendo observadas. Posteriormente, uma câmera é colocada na sala. É impressionante como a atitude das crianças mudam ao saberem que estão sendo supervisionadas. O objetivo é mostrar como as coisas deixam de ser como elas realmente são quando existem “fronteiras” limitando a liberdade de expressão.
A mentira social
por Tania Menai
e Roseli Loturco
Otto von Bismarck (1815-1898) dizia que "as pessoas nunca mentem tanto quanto depois de uma caçada, durante uma guerra e antes de uma eleição". Bismarck entendia bem de guerra, caça, eleição e mentira. Primeiro chanceler do império alemão, patrono do sufrágio universal em seu país, foi idealizador do primeiro sistema de previdência social do mundo e um magistral manipulador de vaidades. Exageros, citações tiradas do contexto, omissões, montagens maliciosas de imagens do adversário, mentiras, falsificações e fraudes fazem parte do espetáculo eleitoral desde que as sociedades decidiram por essa forma de escolha dos governantes. O psicólogo americano Gerald Jellison, da Universidade do Sul da Califórnia, calcula que, no decorrer de um dia normal qualquer (fora de períodos eleitorais), uma pessoa escuta, vê ou lê duas centenas de mentiras – uma inverdade a cada cinco minutos. A maioria delas são inofensivas mentiras sociais que ajudam a harmonizar as relações interpessoais no cotidiano. "Seu corte de cabelo ficou ótimo" ou "o trânsito estava um caos, por isso me atrasei" constituem exemplos clássicos. Só uma pequena porcentagem é de mentiras que machucam ou ocasionam prejuízo material ou moral aos outros. Em tempos eleitorais, a taxa de mentira se multiplica geometricamente. Mas também na vida pública existe uma gradação do potencial destrutivo das mentiras. Elas podem variar de uma omissão necessária e justificável até uma fraude com o efeito de enriquecer pessoas e grupos.
"Um político de sucesso, com muitos anos de carreira, foi obrigado a aprender a mentir de um modo tão profissional diante das câmeras que a imensa maioria das pessoas e mesmo os profissionais do comportamento humano não são capazes de detectar seus deslizes", disse Paul Ekman, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, considerado o maior especialista mundial em detecção de mentira, campo a que se dedica há trinta anos. Políticos se equiparam aos atores na capacidade de fingir. Ambos o fazem por necessidade profissional. Profissionais treinados são capazes de perceber em mais de 70% dos casos, em grupos controlados de estudo, se uma pessoa comum está mentindo. "Quando fazemos o mesmo estudo tendo como voluntários políticos e atores, a taxa de acerto cai para menos de 10%", relata o professor Ekman. No caso de atores e poetas, quanto mais completamente eles mentem, melhor fica o espetáculo para o distinto público. No caso dos políticos é outra história – e não obrigatoriamente ruim para sua biografia. No mundo político, a mentira requer uma análise mais complexa. Para começo de conversa, a mentira política nasceu como irmã gêmea da democracia na Grécia antiga. "Em outras situações, a mentira diminui e macula a alma. Mas ela é permitida quando é proferida no interesse do Estado", escreveu o filósofo grego Platão, que viveu no século IV a.C., o dos grandes dramaturgos, poetas e políticos que lançaram as bases da civilização ocidental.
Desnecessário dizer que todas as grandes mentiras da história humana, engendradas por governantes, políticos, religiosos, líderes revolucionários e manipuladores de todos os matizes, foram colocadas em circulação em nome do interesse do Estado, do bem comum ou da liberação dos oprimidos. Mentiras oficiais são protegidas por leis de sigilo que as mantêm longe do público em alguns casos, como nos Estados Unidos, por até 25 anos. Uma falsidade recentemente revelada pelos arquivos presidenciais americanos foi a decisão do governo dos Estados Unidos, nos anos 60, de aprofundar cada vez mais o envolvimento militar no Vietnã, mesmo sabendo que a guerra não poderia ser vencida. Naquele tempo e nos trinta anos seguintes, sustentou-se a mentira oficial de que os relatórios diziam que o inimigo comunista estava prestes a ser esmagado. Os americanos esconderam da opinião pública seu grau de participação nos golpes que, no auge da Guerra Fria, derrubaram governos legitimamente eleitos no Chile e na República Dominicana. O governo dos Estados Unidos mentiu sobre o fato de que, para efeito de pesquisa, expôs soldados à radiação nuclear e deixou negros infectados com a sífilis desenvolver a doença sem tratamento para saber com exatidão como a bactéria destrói o corpo humano. São mentiras usadas para esconder ações bárbaras. Todo país tem mentiras oficiais enterradas em seu passado. Felizmente, nas nações democráticas elas costumam vir à tona. Muitas vezes é tarde demais para que suas vítimas possam ser compensadas, mas a tempo de evitar que se repitam. Muitas das mentiras oficiais realmente servem ao bem comum, e a sociedade espera que elas sejam ditas. "Um general tem o dever de mentir sobre o local do ataque que planeja, e todo mundo espera que o presidente do Banco Central não diga a verdade se alguém lhe perguntar se a taxa de juros vai ser fixada em x ou y", afirma Ekman. "Como regra geral, a mentira dita pelos políticos esconde-se sob a justificativa do bem comum quando interessa mais à sobrevivência dele e de seu grupo."
Antes de atirar a primeira pedra, aconselham estudiosos da mentira, é bom lembrar que todo mundo mente. A civilização foi construída sobre uma sólida base de mentiras, falsidades e conceitos abstratos aceitos como verdadeiros sem que se tenha deles a mais pálida constatação de veracidade. Não foram apenas as grandes religiões que se espalharam pelo mundo tendo como impulso primordial a fé e, para ilustrá-la aos novos convertidos, uma galeria de fatos altamente improváveis e certamente não comprovados, como homens que voam, mártires que vencem sozinhos Exércitos inteiros e guerreiros valorosos recompensados no céu com virgens, manjares e néctares. "A mentira esteve a ponto de destruir a humanidade em diversas ocasiões, mas pode-se dizer que foi ela que nos trouxe até aqui", diz o biólogo Alan Grafen, estudioso do comportamento humano. Grafen concentrou seus estudos no papel da mentira na evolução humana. Ele concluiu que a mentira social é sintoma de equilíbrio numa sociedade avançada. Quanto mais interdependente o convívio entre os pares, maior a necessidade da mentira. "Chamemos de alta diplomacia, mas no Vaticano e na Organização das Nações Unidas, por exemplo, a mentira é o amálgama que ajuda essas instituições a não se espatifar nas crises", declara Grafen.
O biólogo faz uma observação cuja confirmação pode ser obtida no dia-a-dia dos casamentos, do mercado e da política. "Para que cumpra seu papel apaziguador e conciliatório, a mentira exige que a honestidade prevaleça como a característica mais valorizada pelo grupo social", diz Grafen. Ou seja, a mentira para ser socialmente útil precisa ter "pernas curtas e nariz longo", como dizia Gepeto, o pai do Pinóquio, na história infantil criada pelo italiano Carlo Collodi no século XIX. A falsidade deve ser tolerada apenas como contraponto da verdade, sugere o biólogo. Da mesma forma que a virtude só pode ser devidamente exaltada quando se sabe da existência e das tentações do pecado. É verdade. Como se identificariam os santos se ninguém na humanidade pecasse? "Quando passa de certos limites, portanto, a mentira tem de ser punida. Se ela começa a se tornar dominante, a sociedade, sem se dar conta, caminha para a extinção", observa Grafen. E quais seriam esses limites? Os estudiosos se calam sobre isso, mas a pista pode ser encontrada no bom senso. As mentiras aceitáveis se distinguem das inaceitáveis da mesma forma como o erotismo se diferencia da pornografia. É aceitável esconder de um velho tio uma doença terminal. Quase todos os pedagogos dizem que os pais devem mentir aos filhos pequenos quando eles querem saber precocemente sobre sexo. Maridos mentem para as mulheres e elas para eles sobre suas fantasias românticas com outros parceiros. "No fundo existe uma resposta mais cínica para a pergunta sobre qual mentira é inofensiva: aceitável é a mentira que nunca é descoberta", afirma o psicólogo Jellison. "O lado bom da história é que cedo ou tarde toda grande mentira de um relacionamento interpessoal é descoberta. Em geral, porque o mentiroso se entrega."
Depois de três décadas de estudo sobre como detectar a mentira, o professor Ekman desenvolveu um método de apontar mentirosos que foi adotado pelo FBI, a polícia federal americana, e por inúmeros departamentos estaduais de polícia dos Estados Unidos. Quando se trata de um mentiroso envolvido em crime, o método do FBI tem tido uma taxa razoável de sucesso, em torno de 70%. Mas talvez a conclusão mais interessante desse tipo de abordagem seja a que envolve a mentira no cotidiano. "Tenho prazer em dizer que depois de tantos anos de estudo minha maior descoberta foi que nós, seres humanos, não somos mentirosos perfeitos. Entretanto, ao contrário do que imaginava Sigmund Freud, detectar sem erros a mentira é uma tarefa muito complexa e talvez inútil", observa Ekman. "Mentir com imperfeição é fundamental para nossa existência em sociedade." Estudiosos do comportamento animal concluíram que os bichos também mentem, fingem e disfarçam emoções. Quanto mais próximos da linhagem humana, eles se tornam mentirosos mais eficientes. Orangotangos e gorilas são os símios geneticamente mais aparentados com o homem. São também os maiores fingidores do reino animal. A mentira é um dos traços da humanização. O homem é incapaz de mentir até os 3 meses de idade. Os primeiros truques para chantagear mamãe e papai afloram depois dessa idade. "Viver sem mentira seria insuportável", afirma a psicóloga Mary Ann Mason. "Equivale a casar, trabalhar e conviver, enfim, com pessoas cujas emoções pararam de amadurecer quando elas tinham 3 meses de idade."
Embora apareça sempre na literatura e nas parábolas morais como um desvio de caráter, a mentira não foi classificada como um dos sete pecados capitais pelos codificadores da fé católica. A gula, a luxúria e a preguiça estão na lista dos pecados que levam os crentes católicos direto para o inferno. Também são capitais os pecados da ira, da avareza, da soberba e da inveja. A mentira, não. Sem a mentira a vida seria um inferno. "Se nunca pudéssemos mentir, se todos os sorrisos fossem confiáveis e se todos os olhares fossem facilmente decifráveis, a convivência humana seria impossível em casa, no trabalho, em sociedade", escreveu Mary Mason.
O inglês Charles Darwin (1809-1882), pai da teoria da evolução, foi o primeiro cientista a catalogar as manifestações visíveis da mentira em diversas sociedades. Suas conclusões foram descritas no livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, lançado quase vinte anos depois de sua obra fundamental, A Origem das Espécies. Darwin defendeu a idéia de que só a espécie humana consegue expressar emoções através dos músculos da face. Alguns animais, embora tenham a capacidade de fazer caras e bocas, não o fariam com intuito expressivo, como os homens. O esgar de um macaco que lembre um sorriso não significa exatamente que ele esteja feliz. Esse campo de estudo aberto por Darwin foi aprofundado por Paul Ekman. O psicólogo da Universidade da Califórnia comparou a maneira como as pessoas expressam emoções em mais de duas dezenas de países em todos os continentes. Sua descoberta principal é que as expressões faciais são universais, mas os gestos, a chamada linguagem corporal, têm diferentes significados em cada cultura. Com base em seu estudo, diversos psicólogos desenvolveram métodos de detecção da mentira que se assentam principalmente no exame das expressões faciais. Em seu livro Análise do Caráter, Wilhelm Reich, psicanalista austríaco do início do século passado, já havia proposto uma nova análise do caráter humano quando começou a considerar os aspectos não verbais da comunicação humana. Freud, o mestre com quem Reich rompeu, dizia que "quem vê cara vê coração". Na época parecia uma afirmação pouco exata, mas pesquisas sugerem que é mesmo difícil para as pessoas comuns, sem o treino dos políticos e dos atores, esconder suas emoções e mentir sem que a falsidade acabe de certa forma estampada no rosto.
Segundo os psicólogos, existem nove razões principais para que alguém minta ou resolva omitir informações. Os políticos, na avaliação do psicólogo, formam a categoria de pessoas que têm mais razões para mentir, sair-se com evasivas ou omitir dados. Numa lista de motivações para mentir (veja quadro ao lado), os políticos podem ser incluídos em pelo menos cinco. Eles mentem para "fugir de um castigo", para "obter uma recompensa que lhes seria negada se dissessem a verdade", "para ser admirados", "para evitar constrangimentos" e "para manipular". Alguns exemplos recentes ajudam a ilustrar o primeiro dos motivos para mentir que tanto tentam os políticos: "obter uma recompensa", no caso ganhar uma eleição. O chanceler alemão Gerhard Schroeder acaba de se eleger com uma vantagem ínfima de votos, obtida segundo seus adversários graças a uma mentira ou, mais exatamente, a uma inesperada mudança de atitude absolutamente contrária a suas posições no governo até agora. Schroeder decidiu dizer aos eleitores que a Alemanha sob seu comando não aceitaria juntar-se aos Estados Unidos e à Inglaterra numa iminente guerra contra o Iraque. A Alemanha de Schroeder mandou tropas para o Afeganistão e para a Bósnia e tem sido uma fiel aliada dos Estados Unidos na campanha militar antiterrorista. Mas, como as pesquisas indicavam que os eleitores não aprovavam uma guerra contra Saddam Hussein, o chanceler mudou rapidamente de lado. Essa atitude não é exceção entre os políticos. É a regra em qualquer país. "A democracia é um sistema tão impressionante que produz resultados positivos, em geral, com o somatório de interesses mesquinhos", escreveu o francês Alexis de Tocqueville, historiador e sociólogo do século XIX que se encantou com o sistema político dos Estados Unidos. Esperemos que o mesmo se aplique ao Brasil neste momento de tantas incertezas políticas e econômicas.
DE FATO: “ A opinião diz quente ou frio, mas a realidade são átomos e espaço vazio”. Frase de Auto-Engano, livro de Eduardo Gianetti. Acima, cena de Lie to Me,série de Samuel Baum, ainda em exibição pela Fox. É a mentira fascinando em 2009. Para saber por que mentimos tanto, vá...
Eu te amo
por Gustavo Nolasco
“Não é só a beleza que está nos olhos de quem a vê. Todas as sensações de dor e prazer, tudo o que pensamos, sentimos e sonhamos, todas as nossas percepções sensoriais de luz, cor, som, gostos, cheiros, calor e frio, em suma, tudo que é mental não pertence a realidade objetiva e está para ela assim como, para retomar a analogia sugerida por Descartes em Le Monde, o nome das coisas está paras as próprias coisas. O calor não está na chama, a doçura não está no doce. Se alguém roçar levemente uma pluma em sua axila ou sola do pé, você sentirá uma sensação formigante de cócegas. A realidade dirá Descartes, é a ação da pluma sobre a pele e o nervo e toda a cadeia de processos neurológicos mensuráveis que essa ação deflagra. Os efeitos subjetivos dela – nossa experiência íntima dessa fricção inocente – não passam de cócegas mentais”. Trecho de Auto-Engano, livro de Eduardo Gianetti.
E quantas cócegas mentas não sentimos para dizer, em tempos de internet, que amamos com facilidade. Em contrapartida, existe a galera que se opõe a isso para não parecer fútil demais. É o futuro do amor, on-line. Um auto-engano. Uma cócega mental.
Mas por que nos mentimos tanto? Para sobreviver. Talvez.
A série Lie to me, de Samuel Baum, em exibição pela Fox, traz um cientista da mentira. Por meio de micro-expressões corporais, ele identifica a veracidade das informações de criminosos, políticos, policiais e de qualquer pessoa que cruzar seu caminho. Ele é viciado, não consegue se controlar. Doutor Cal Lightman, apesar de desvendar mentiras, mente com frequência.
Mas até mesmo saber disso, que mentira é um troço inerente a nós, demasiadamente humanos pode ser auto-engano. Pra ficar mais claro, vai aí mais um trechinho do livro do Eduardo:
“Não importa o que seja: pergunte a si mesmo se você conhece algo e você terá sérias razões para começar a duvidar. Antes de tudo cabe indagar, o que é conhecer? Depende é claro do nosso grau de exigência.”
O mistério da mentira
por Norbert Lieth
As "palavras certas" no convívio com os outros são cada vez mais pura mentira. Pois apresentar a verdade em doses reduzidas facilita a vida. Os americanos chamam essa "forma elaborada" de comunicação de "mentiras brancas". Aqueles que sempre dizem a verdade são considerados irremediavelmente ingênuos. Além disso, eles facilmente ganham inimigos. Calcula-se que uma mentira vem aos nossos lábios cerca de 200 vezes por dia, em média uma a cada 5 minutos. Começando por falsos elogios ("Você está com excelente aparência!") até mentiras descaradas ("Hoje eu não posso ir ao escritório, estou gripado").
Há alguns anos ocupam-se com o mistério da mentira não apenas filósofos, mas também cientistas políticos e psicólogos. O resultado das pesquisas sobre a mentira:
– Mentira e engano estão nos nossos genes, foram e são o motor da evolução. Os biólogos presumem que o desenvolvimento do cérebro humano só foi possível por ter que lidar com enganos.
– Nós adulamos, engodamos e sorrimos diariamente com olhar inocente para manter uma boa atmosfera ou para nos apresentar numa luz mais favorável. Principalmente os cônjuges e familiares são enganados de maneira intensa. Eles são vítimas de dois terços de todas as mentiras graves – segundo as análises de diários da psicóloga americana Bella DePaulo da Universidade da Virgínia em Charlottesville.
– Talento para enganar é sinal de inteligência – um fator de sucesso, tão útil como perspicácia, intuição ou criatividade. "O sucesso profissional de um executivo depende em 80% da sua inteligência social", afirma Howard Gardner, psicólogo da Harvard School of Education. Também Peter Stiegnitz, um pesquisador da mentira em Viena (Áustria), pensa que os "carreiristas preferem trabalhar com jeito e charme ao invés de fazê-lo com aplicação e perseverança".
O objetivo da educação diplomática: as crianças já aprendem desde cedo que é melhor não dizer à sua antipática tia que acham o beijo lambuzado dela nojento. A alegria dissimulada da mãe ao receber o presente de Natal inútil, os doces escondidos furtivamente e a lei do silêncio sobre inconvenientes familiares são modelos e treinamento para as mentiras diárias no futuro.
Entretanto, as crianças só compreendem a necessidade de mentir entre o segundo e quarto ano de vida, e isso ocorre tanto mais cedo quanto mais inteligentes elas forem. Até então elas não sabem distinguir entre fantasia e realidade. Quando descobrem, então, quão refinadamente é possível lograr os outros, elas o fazem primeiramente em proveito próprio – a fim de evitar castigos ou para receber alguma recompensa. Mais ou menos a partir dos oito anos de idade elas aprendem a diferenciar a simpatia verdadeira da falsa.
No máximo durante a adolescência os jovens aprendem a distinguir com certa precisão se alguém está sendo sincero ou não... (Focus)
É vergonhoso como hoje em dia se lida levianamente com o conceito "mentira" ou com a própria mentira. Há pesquisas e estudos sobre a mentira, tenta-se explicá-la, procura-se a sua origem, mas em geral ela é considerada inofensiva, sim, até mesmo uma necessidade da vida e, em última análise, como algo bom.