Das poucas coisas que devemos saber

por Manoel de Barros

 Penso que devemos conhecer algumas poucas cousas sobre a fisiologia dos andarilhos. Avaliar até onde o isolamento tem poder de influir sobre os seus gestos, sobre a abertura de sua voz, etc. Estudar talvez a relação desse homem com as suas árvores, com as suas chuvas, com as suas pedras. Saber mais ou menos quanto tempo o andarilho pode permanecer em suas condições humanas, antes de se adquirir do chão a modo de um sapo. Antes de se unir às vergônteas como as parasitas. Antes de revestir uma pedra à maneira do limo. Antes mesmo de ser apropriado por relentos como lagartos. Saber com exatidão quando que um modelo de pássaro se ajustará à sua voz. Saber o momento em que esse homem poderá sofrer de prenúncios. Saber enfim qual o momento em que esse homem começa a adivinhar.

Do começo da historinha

por Abonico

Hunter S. Thompson criou o gonzo, estilo de reportagem no qual o autor do texto se transforma no personagem principal da notícia. Contudo, a loucura e a imprevisibilidade do americano foi tanta que até na hora de sua última história ele pegou todo mundo de surpresa: enquanto conversava ao telefone com a esposa, ele, que sobrevivera a overdoses no passado, disparou um tiro contra sua cabeça.

Do tiro

por Hunter S. Thompson

"Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de caminhar. Chega de curtição. Chega de nadar. 67. São 17 anos além dos 50. 17 anos mais do que eu precisava ou queria. Tédio. Vivo de mau humor. Não tem mais diversão -- para ninguém. 67. Você está ficando avarento. Aja como se tivesse sua idade. Relaxe -- não vai doer"

Do que ele deixou

por Furio Lonza

Na verdade, o estilo gonzo (por ele mesmo assim denominado) de escrever teve mais influência sobre a liberdade de encararmos a vida estúpida e autofágica nas grandes cidades do que propriamente na maneira de redigir matérias jornalísticas. Uma pena que isso não tenha se entranhado na cabeça de nossos editores (poderíamos ter tido nossa versão do National Lampoom), uma pena que não tenha gerado frutos abaixo do Equador (poderíamos ter tido nosso Michael Moore, por exemplo. Imaginem o estrago que ele estaria fazendo por aqui), uma pena que nossas minorias étnicas não tenham se indignado o suficiente (poderíamos ter tido nosso Malcolm X, Angela Davis e Martin Luther King), uma pena que nossa civilização tenha descambado justamente naquilo que Hunter Thomson mais odiava.

Do texto

por Hunter S. Thompson

Uma das principais regras genéticas para a criação de cachorros, cavalos ou qualquer outro tipo de puro-sangue é que o acasalamento entre parentes próximos tende a ampliar os pontos fracos numa linhagem, assim como os pontos fortes. Na criação de cavalos, por exemplo, é definitivamente arriscado cruzar dois cavalos rápidos que também são muito loucos. A prole provavelmente será muito rápida, mas também muito louca. Então o truque na hora de cruzar puros-sangues é reter os traços bons e peneirar os ruins. Mas o cruzamento de humanos não é supervisionado com tanta sabedoria, particularmente numa sociedade sulista rígida, onde o cruzamento entre parentes bem próximos não é apenas estiloso e aceitável como bem mais conveniente - para os pais - do que deixar a prole livre para encontrar seus próprios parceiros, pelas suas próprias razões e às suas próprias maneiras.

Nada é divertido quando você precisa fazer aquilo - muitas vezes, dia sim e o outro também - para não ser despejado. Com o tempo enche o saco. Então é um negócio bem raro um escritor trancado em casa, que paga aluguel, se meter com um trampo que, mesmo em retrospecto, foi uma tiração de sarro fabulosa e enlouquecida do começo ao fim… e ainda por cima ser pago para escrever esse tipo de enrolação doentia, olha, parece realmente estranho.

Não existe nada de romântico numa batida feia, e o único consolo é o choque anestésico que vem com a maioria dos ferimentos (…). Essa aceitação despreocupada de derramamento de sangue é a chave para o terror que eles inspiram nas pessoas certinhas (…).

Do Brasil de raros

por Gustavo Nolasco

 Aqui existem duas pessoas reconhecidas por envolvimento com o jornalismo gonzo. Arthur Veríssimo – aquele que comeu escorpião pela primeira vez no Domingo Legal -, e André Felipe Czarnobai – que escreveu uma tese sobre o assunto. Fora eles, são outros gatos pingados que descobriram por acaso o Hunter, mas acredito que são maioria os estudantes que pegam seus canudos sem nunca ter ouvido a palavra tão sonora que Thompson escolheu para seu estilo. Gonzo. É evidente que há um freio nas instituições em relação aos afluentes do New Journalism. Até porque, em certo momento ir contra tudo dito antes é arriscado para a formação de jornalistas globais, que sem dúvida aumentam o prestígio de qualquer curso. Caso você já conheça, e nutra um mínimo de interesse por essa modalidade, o mercado te espera, possivelmente bem longe. Mas não há porque desanimar, afinal, Jornalismo Literário é quase cult no Brasil. Daqui a pouco o gonzo pega carona.

Do que o Arthur pensa

por Gustavo Abdel Massih

Por que o jornalismo literário não está na mídia?

Porque os caras que controlam não permitem. Bom, mas até o dono de jornal, o Otavio Frias [da Folha], ele até fez algumas matérias de grandes investigações. Escreveu “A queda livre”, enfim, teve algum espaço. A Trip dá um espaço não muito grande... pois é legal ter fotografia. Com fotografia fica fácil a leitura. Eu tento levar uma reportagem que mexa com os sentidos. Tento buscar sempre um jeito de despertar. Tirar a pessoa do lugar comum. Por exemplo, ele está no metrô lendo a matéria, no avião, na privada, criando ruídos dentro dela. Senão, pra que é que eu estou fazendo alguma coisa? Eu gosto muito dos jornais de sábado e domingo, por que aparecem boas reportagens. É um lixo, mas eu leio tudo, a Folha, o Estado, O Globo, Jornal do Brasil.

Do que o Czarnobai pensa

por Beatriz Caetana

Você acredita que há uma falta de interesse do estudante de Jornalismo sobre essa linguagem ou é da imprensa de não divulga-la?

Acho que o principal problema é a falta de TALENTO. O maior erro do meu trabalho, na verdade, foi não ter falado, de uma forma mais clara, que o grande lance por trás do gonzo jornalismo não é a captação participativa ou o uso da ironia, das técnicas ficcionais e da primeira pessoa na redação. É o TALENTO de quem pratica. Não dá pra exigir que TODO jornalista seja um bom GONZO JORNALISTA. A grande verdade é que só se faz gonzo jornalismo com um escritor extremamente talentoso e, sobretudo, CARISMÁTICO. Sem isso, nada de importante pode ser produzido. No mais, o interesse dos estudantes e os espaços na mídia existem, sim. Mas, como eu disse, falta TALENTO. E isso simplesmente não se pode ensinar.

Do que é curioso

Thompson era fã do escritor Ernest Hemingway, que em 1961 também se matou com um tiro de fuzil; Era amigo de Johnny Depp, Bill Murray, Sean Penn e do músico Warren Zevon; Inspirou Spider Jerusalem, protagonista da HQ Transmetropolitan, de Warren Ellis; Era viciado em escrever e ler cartas.

Um comentário:

  1. E aí Gustavo,
    vi que me citou neste artigo sobre 'Gonzo opinions'. Vou linká-lo lá no degusta.wordpress.com.
    Passa lá.
    Gostei dos vídeos
    abraço

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