PROTESTO: O professor de teatro e literatura do post abaixo reclama. Para concordar com ele, ou discordar, é só ir...

Bate-pau* é indicada a Prêmio na categoria de menor platéia

Acabamos mudando o nome do nosso prêmio das artes dramáticas que, de Oscar da Oficina Mãe Patrulheiros (eita nome carne-de-vaca!) passou a se chamar Troféu Waldo Zanucci. Até onde sabemos, Waldo Zanucci foi o primeiro ator de Iracemápolis - talvez não o primeiro no sentido estrito do termo, mas é aquele que, à maneira de Cabral em relação aos índios, carrega oficialmente o legado de "descobridor". Um legado bastante desconhecido, diga-se de passagem, já que nem os moradores da cidade sabem ao certo como tudo aconteceu. Algumas poucas mentes pensantes da nossa ilustríssima cidade insistem, contudo, que a ele cabe o mérito de primeiro difundir e divulgar o Teatro em uma cidade tão pouco habituada aos ares da cultura. Teria sido ele, o nosso anônimo porém saudoso (e - por que não? - mítico) Waldo Zanucci, o pioneiro das artes cênicas em Iracemápolis, que de forma valente e humilde subiu nos palcos para transpirar sua discreta vontade artística para uma platéia que, assídua ou ausente, não conseguia compreender a importância daquele momento. Pouca coisa mudou em Bate-Pau desde então.
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O Sr. Zanucci não está mais entre nós, sua memória ou heroicização não reverbera de modo algum no petrificado coração desta cidade e a cultura de Iracemápolis, nos ombros de uns poucos corajosos e responsáveis idealizadores, persiste honrada e modestamente em meio a um deserto de descaso e desinformação. Nossa historiografia - falha e vergonhosa - resume as manifestações artísticas da cidade a uma meia-dúzia de "óleo sobre tela" de gosto duvidoso (ignorando displicentemente eventos culturais de suma importância como o funcionamento do primeiro Núcleo de Teatro para Crianças profissional do Brasil, a ampla e invejável produção de curta-metragens concebida por cineastas indepententes desta cidade ou mesmo a simples e quase desapercebida existência de um livro chamado Sinhá Moça...)
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Sobretudo, o público de Iracemápolis não sabe ir ao teatro.
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Há dois anos, quando inaugurávamos nossas atividades teatrais com A Casa Verde, espetáculo adaptado da obra de Machado de Assis, promovemos uma apresentação fechada para os professores da Rede Pública. Quarenta professores foram convidados de modo solene, por meio de carta nomeada, especificando os detalhes do evento. Quarenta professores. Todos eles tinham alunos que faziam parte do elenco. Todos eles sabiam disso. Quarenta professores convidados. Só quatro compareceram.
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Ontem a história se repetiu. Com base na experiência acima relatada, decidimos poupar nossos estimados docentes de tão laborioso esforço e, assim, convidamos apenas algumas autoridades locais para a apresentação do nosso último espetáculo, Macbeth. Levando em conta a recente exposição deste trabalho na mídia, e sabendo que os convites haviam sido enviados com uma semana de antecedência, calculávamos uma platéia recheada na apresentação de ontem à noite. (Sim, enviamos convites a todos eles.) Ontem, quando as luzes do "palco" se acenderam, havia quarenta lugares na platéia e apenas seis deles estavam preenchidos (dos quais, somente quatro não haviam de fato assistindo ainda ao espetáculo).
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Se isso me aborrece? É claro. Não pela apresentação - que foi um sucesso -, mas pela omissão daqueles que primeiro deveriam testemunhar tal iniciativa. Não por mim, mas pelas crianças - que desde muito cedo já cuidavam da preparação dos cenários, ensaios e concentração. Não pelas cadeiras vazias da nossa sala de teatro, mas pelas bundas que ficaram em casa esquentando sofás diante da novela das oito. Sim, isso me aborrece muito.
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Quanto aos meus pequenos, já estão devidamente vacinados em relação a isso. E sabem que o desempenho deles independe da quantidade de pessoas na platéia. Todos já estão cientes de que o público precisa ser respeitado - não importa se falamos de quarenta ou de quatro pessoas. Não importa se o espetáculo é pago ou gratuido. Se alguém se desloca para ir ao teatro, seu esforço merece crédito e atenção. Subir no palco, nesse caso, é uma responsabilidade imensa para com a platéia.
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Ainda assim, mesmo após tanto preparo e vacinação, não há como evitar o golpe de olhar para duas fileiras de cadeiras vagas. Para quem fora aplaudido por 70 pessoas na cidade de Limeira (tão próxima geograficamente, tão distante culturalmente) na última semana, aquelas cadeiras vazias eram o símbolo sôfrego da irresponsabilidade. E nossa quase cancelada apresentação, na noite de ontem, é a metáfora-síntese da (in)consciência artística de nossa ilustre cidade. Com o perdão do desabafo, fica também o meu protesto.
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Não sei se Waldo Zanucci foi de fato um valoroso batalhador da cultura de Iracemápolis ou um símbolo oportuno e fabricado do mártir teatral que nossa cidade não tem (a historiografia pobre e escassa novamente não nos deixa descobrir). Visionário esquecido ou herói envernizado? Não importa. Nossos mais honestos batalhadores e nossos mais perfeitos heróis padecem no anonimato por uma única e lastimável razão: não há ninguém na platéia para assisti-los.

*Bate-pau é como é chamada Iracemápolis - SP.

Além disso


DESCUBRA: Os frutos desse encontro e uma possível explicação. É só ir...

Shakespeare por crianças
 
por Gustavo Nolasco e Roxane Regly
 
Quem me vê na rua não pensa que eu sou atriz”, dispara Francilene Barbosa, de 12 anos. No palco ela é Lady Macbeth - a esposa ambiciosa da obra de Willian Shakespeare. A menina, que empresta o corpo e a voz ao texto clássico, confidencia que na intimidade do lar, a preferência musical não é tão rebuscada. “Em casa, meu irmão e eu ouvimos black music e sertanejo, por causa do meu pai”, diz. 

O irmão de Francilene também participa da peça, Fábio Vinícius Barbosa, 10, é Macduff – nobre escocês responsável pela morte de Macbeth. O garoto, de 10 anos, se diz apaixonado por tragédias. “Sempre gostei de histórias assim, quando passa na televisão não tiro o olho, estou acostumado”, explica de onde vem as referências para não se assustar com a densidade Shakespeariana.

Daniel Martins é professor de teatro e literatura. Ele coordena os trabalhos do Núcleo de Vivência Teatral, projeto da Oficina Mãe, que fica em Iracemápolis. “Eles escolhem o texto, não sou eu, o que eu faço é contar histórias”, diz em relação a preferência das crianças por textos considerados adultos. “A escolha deles me assustou no começo”, confessa.

Tão surpreendente quanto o tema preferido da garotada é o convite de um dos maiores festivais de teatro do Brasil. No final de março, os atores mirins e o professor embarcam para Curitiba. Eles vão participar do Festival Internacional de Teatro. “É uma honra! A gente foi chamado para representar a região”, conta Matheus Almeida da Silva, 10 anos. “Eu vou voltar ‘me achando’ de lá”, brinca Gabriela Pereira de Souza, 11 anos. “A sensação é de que estamos pulando para o último degrau”, completa Martins.

Sentimento bom dividido com a platéia. “O teatro não me cativava. Agora eu nem consigo explicar a experiência que tive vendo essas crianças, foi emocionante”, conta a dona de casa Selma Martins, de 35 anos.

Alheia a todos esses acontecimentos, uma transformação foi acontecendo sem que ninguém soubesse explicar direito. “Antes da peça, a gente não tinha assunto em casa, agora somos como papagaios, só falamos do teatro”, diz a Lady Macbeth de 12 anos. “Eu sou um menino, ainda não sei muita coisa, mas tenho noção das minhas responsabilidades”, conta Macduff, de 10. “Antes eu era um moleque ‘tontão’, não sabia de nada, poluição, crise... Agora eu penso, olha como o mundo está, a gente tem que ensinar essas coisas para as pessoas”, ensina Matheus Almeida da Silva, no auge dos seus 10 anos. 

O professor sabe que está mudando a vida das crianças que participam do projeto, mas essa parceria trouxe outros frutos. “Elas me ajudaram a fazer as pazes com o teatro”, conta.
No dia-a-dia, os pequenos decodificam referências culturais a que estão expostos e sem querer transformam isso em experiência. “Tudo o que a gente faz no projeto, acaba se tornando parte da realidade deles”, explica o professor.

Parece até que o educador sabia que ensinar por meio da cultura faz parte de um modelo de reforma da educação na América Latina e no Caribe proposto pela Unesco. Recentemente o professor e coordenador geral da Iniciativa Inter-Americana de Capital Social, Bernardo Kliksberg, reiterou o que disse em 1992, no lançamento do programa. “A base da reforma é promover o ensino por meio da cultura, e é isso que fortalece a sociedade”, diz o coordenador no texto As Chaves Esquecidas do Desenvolvimento.

Assim como o argentino Kliksberg, autor da reforma, Gabriela, antes de fazer parte do projeto, queria ser professora. Depois da experiência no teatro os planos mudaram. “Agora não tem jeito, sou atriz”, diz.

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SAIBA: Porque isso não é uma propaganda da Record, de quem é a culpa e por onde andam os atingidos. É só ir...

Q de Queda*

Fonte: G1/O Dia

editado por Gustavo Nolasco


 

Acima o depoimento de uma foliã assustada. A câmera suspensa por um cabo de aço, utilizada na cobertura do Carnaval 2009 da Rede Globo, caiu perto de onde ela estava. Segundo o blog da emissora – que cobriu o evento em tempo real -, não havia ninguém sentado onde a câmera caiu, mas o cabo partido feriu seis pessoas. Duas tiveram que ser encaminhadas ao Hospital Municipal Souza Aguiar, que fica próximo ao sambódromo.


A empresa responsável pelo equipamento é americana e ficou de averiguar o que poderia ter ocasionado o acidente. Até agora a Cable Cam não divulgou nenhuma nota sobre o ocorrido.


Em entrevista ao jornal carioca O Dia, Álvaro Travassos, que mora em São Paulo, conta que sofreu queimaduras e que o problema ocorreu quando assistia ao desfile da Mangueira, sua escola preferida. Ele pagou R$ 300 para assistir ao desfile, na Arquibancada 7. Segundo o jornal, Álvaro ainda não sabe se entrará com um processo contra a emissora.


Em comunicado oficial à imprensa, a Rede Globo se limitou a informar que os ferimentos foram “leves”, minimizando a gravidade do acidente, e pediu desculpas pelo ocorrido. Confira:

 

“Um acidente com a câmera aérea usada pela TV Globo, na transmissão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, provocou escoriações leves em seis pessoas esta madrugada no Sambódromo. O cabo que sustentava a câmera se partiu, provocando a queda do equipamento numa das frisas do setor 09, onde não havia ninguém no momento. Ao se soltar, o cabo atingiu seis pessoas que foram atendidas no local e passam bem. Quatro foram atendidas e liberadas no posto médico do próprio Sambódromo. Outras duas, com a assistência da emissora, foram levadas ao Hospital Souza Aguiar para exames complementares e também liberadas. Técnicos americanos da empresa Cable Cam, que opera o equipamento, estão analisando as causas do acidente. A TV Globo se desculpa pelo ocorrido”.

*A brincadeira é uma referência aos comerciais da Globo sobre o ‘Q’ de qualidade e da resposta da Record, que dizia que o ‘Q’ era de queda. Dessa vez a queda da câmera.

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OUÇA: Outras duas canções do bonde e o que o Zeca acha disso tudo. É só ir...

Bonde do Rolê. Sério.

por Zeca Camargo

editado por Gustavo Nolasco

Sei que a combinação acima parece improvável. Afinal, como eles são uma banda brasileira e - ainda mais complicado - vêm de Curitiba, a reação natural aqui no Brasil é, claro, de deboche diante do tremendo sucesso que eles fazem lá fora. Até bem pouco tempo, minha atitude com relação ao “bohn-jay doh roh-lay” (como os fãs de língua inglesa são orientados a pronunciar), era de mera curiosidade, ligeiramente influenciado pela postura geral - afinal de contas, sou brasileiro e, como poucos talvez tenham coragem de admitir, muitas vezes embarco nessa onda de diminuir (ou, pelo menos, desconfiar fortemente) de alguma coisa que faz sucesso antes “no estrangeiro”…Esse nosso comportamento atávico, porém, não é o único motivo que um não-iniciado tem para implicar com a banda. Quer que eu liste alguns outros aqui? Bem, já mencionei que eles são de Curitiba - um complicador, pois os coloca fora do circuito dominante da mídia. Nome e logotipo da banda são realmente odiosos - e não apenas de um mau gosto irônico… são simplesmente ruins. São descritos, em qualquer biografia rápida, como uma banda eletrônica - rótulo que, em qualquer círculo de crítica de música “séria” não inspira confiança. Pior: o gênero que tocam não é apenas “música eletrônica”, mas o “bali funk”, que poderia ser um verdadeiramente inédito gênero musical, mas é só mais uma maneira divertida de escrever “funk carioca” - algo que deve deixar não só os próprios cariocas muito irados (e não da maneira como eles usam o adjetivo na praia), mas também provocar, no que lhes é mais caro, os teóricos do próprio funk carioca (que não são poucos), que julgam os curitibanos meros usurpadores de um pop (que, diga-se, nunca foi muito original).

O fato é que fui vencido na minha resistência - e resolvi superar todos esses preconceitos ao me deparar, bem na entrada de uma loja de música que eu respeito, em Londres, com o EP de “Office boy” - com remixes de Brodinski, Architeture in Helsinki, Shir Kahn (que eu não tinha idéia de quem era, mas que fez o melhor “cozido”) e, surpresa, CSS (abreviação oportuna da outra banda brasileira da moda no circuito alternativo internacional, que os ingleses devem pronunciar “ken-say gee-sehrr sexy”).

A primeira sensação veio sem pensar: o mundo está de cabeça para baixo. Era isso mesmo que eu estava vendo? Era. Resolvi comprar o EP - vinil, só para lembrar de quando eu era mesmo um DJ (para ser honesto, eu nem tinha opção: só encontrei esse lançamento nesse formato). E, aos poucos, o mundo foi voltando a fazer sentido.

Se você é fã do Bonde - e está lendo até aqui para ver, afinal, o que eu vou falar deles -, já conhece “Office boy” (e, como eu, talvez se pergunte porque eles demoraram tanto para lançar essa faixa como “single”). Para os iniciados, porém, vale esclarecer que é uma das músicas mais debochadas a sair deste nosso caldo cultural em muitos e muitos anos (com tanta gente tentando fazer música - mesmo pop - a sério neste país, não é à toa que o Bonde chama atenção, justamente por ir totalmente na contramão). Batida funk, sim (se bem que ela foi praticamente desconstruída em todos esses remixes do EP); canto anasalado, sim (a tentativa da Marina, a vocalista, de soar como tchutchuca é risível e, como em quase tudo que se refere à banda, fica sempre difícil saber o que é intencional ou acidental); corinho infame, sim (”ano inteiro trabalhando de office boy/ pra no final do ano pagar de playboy”); letra calculadamente provocante, sim (”a galera esfrega o pinto na dama da lotação”); ah, e é ultra-dançante, sim. Ou seja, todos os ingredientes de um clássico instantâneo… Então por que não aproveitar?

Ah, mas gostar de Bonde do Rolê? Para que perder tempo com “Office boy” - ou mesmo com o resto do disco deles?

Perguntas difíceis… Quem, como eu, chega atrasado à “descoberta” tem poucas opções. Se falar que gosta, à essa altura, vão dizer que é porque agora que a banda faz sucesso lá fora, você está pegando uma carona na “modinha”. Se ignorar, vai ser mais um mané que se junta ao enorme time de programadores de FMs convencionais que simplesmente desejariam que a banda nunca tivesse existido assim eles não teriam de se lembrar, a cada playlist que fecham, que eles estão deixando de fora um incômodo “hit” internacional. Se ouvir escondido, vai se sentir reprimido e com medo de que alguém do seu lado perceba e isso manche para sempre sua reputação. O que fazer?

Bem, você pode ouvir New Young Pony Club e, assim, preservar sua imagem de “descolado”. Como qualquer moderno de plantão sabe, eles são a nova tentativa de emplacar os anos 80 como a década mais influente da música pop, e geralmente (como no site Last.fm) são associados musicalmente ao Bonde. Não são ruins - na verdade, são bastante engraçados e, em faixas como “Hiding on the staircase” (fortemente calcada em Siouxie and the Banshees), “Ice cream” (viva Heaven 17!!), “Jerk me” (seria aí que o Tom Tom Club iria parar se não tivessem desistido?) e “Talking talking” (Falco! Falco!), eles superam as expectativas. E são ingleses - logo, não só inofensivos às suas credencias “alternativas”, como quase um selo de aprovação do seu bom gosto “cult”.

Mas eu vou sugerir aqui que você escute sim - e goste - do Bonde do Rolê. Não são melhores do que meia dúzia de pequenos delírios recentes das pistas de dança (como Junior Senior, por exemplo), nem piores do que a maior parte do horário das 18h às 19h nas rádios comerciais. Não vai doer e, quem sabe você até não tira uma lição? Em meio a tanta gente desesperada por um pouco de credibilidade, bato palmas para quem faz um convite tão besta quanto: “solta o frango e vem com a gente”.

Pra soltar o frango, nada melhor do que ouvir mais 'Bohn-jay doh Roh-lay':

Marina do Bairro

Quero te Amar

Além disso


VEJA: A campeã de SP e o que a Cecília pensa sobre tudo isso. É só ir...


Depois do Carnaval

por Cecília Meirelles

Terminado o carnaval, eis que nos encontramos com os seus melancólicos despojos: pelas ruas desertas, os pavilhões, arquibancadas e passarelas são uns tristes esqueletos de madeira; oscilam no ar farrapos de ornamentos sem sentido, magros, amarelos e encarnados, batidos pelo vento, enrodilhados em suas cordas; torres coloridas, como desmesurados brinquedos, sustentam-se de pé, intrusas, anômalas, entre as árvores e os postes. Acabou-se o artifício, desmanchou-se a mágica, volta-se à realidade. À chamada realidade. Pois, por detrás disto que aparentamos ser, leva cada um de nós a preocupação de um desejo oculto, de uma vocação ou de um capricho que apenas o Carnaval permite que se manifestem com toda a sua força, por um ano inteiro contida. Somos um povo muito variado e mesmo contraditório; o que para alguns parecerá defeito é, para outros, encanto. Quem diria que tantas pessoas bem comportadas, e aparentemente elegantes e finas, alimentam, durante trezentos dias do ano, o modesto sonho de serem ursos, macacos, onças, gatos e outros bichos? Quem diria que há tantas vocações para índios e escravas gregas, neste país de letrados e de liberdade? Por outro lado, neste chamado país subdesenvolvido, quem poderia imaginar que tantos reis e imperadores, princesas de Mil e Uma Noites, soberanos fantásticos, banhados em esplendores que, se não são propriamente das minas de Golconda, resultam, afinal, mais caros: pois se as gemas verdadeiras têm valor por toda a vida, estas, de preço não desprezível, se destinam a durar somente algumas horas.

Neste país tão avançado e liberal - segundo dizem - há milhares de corações imperiais, milhares de sonhos profundamente comprimidos mas que explodem, no Carnaval, com suas anquinhas e casacas, cartolas e coroas, mantos roçagantes (espanejemos o adjetivo), cetros, luvas e outros acessórios. Aliás, em matéria de reinados, vamos do Rei do Chumbo ao da Voz, passando pelo dos Cabritos e dos Parafusos: como se pode ver no catálogo telefônico. Temos impérios vários, príncipes, imperatrizes, princesas, em etiquetas de roupa e em rótulos de bebidas. É o nosso sonho de grandeza, a nossa compensação, a valorização que damos aos nossos próprios méritos... Mas agora que o Carnaval passou, que vamos fazer de tantos quilos de miçangas, de tantos olhos faraônicos, de tantas coroas superpostas, de tantas plumas, leques, sombrinhas...?

"Ved de quán poco valor Son las cosas tras que andamos Y corremos..." dizia Jorge Manrique. E no século XV! E falamos de coisas de verdade! Mas os homens gostam da ilusão. E já vão preparar o próximo Carnaval...

Enquanto isso não acontece, a Mocidade fica Alegre:


Além disso