DESCUBRA: Os frutos desse encontro e uma possível explicação. É só ir...

Shakespeare por crianças
 
por Gustavo Nolasco e Roxane Regly
 
Quem me vê na rua não pensa que eu sou atriz”, dispara Francilene Barbosa, de 12 anos. No palco ela é Lady Macbeth - a esposa ambiciosa da obra de Willian Shakespeare. A menina, que empresta o corpo e a voz ao texto clássico, confidencia que na intimidade do lar, a preferência musical não é tão rebuscada. “Em casa, meu irmão e eu ouvimos black music e sertanejo, por causa do meu pai”, diz. 

O irmão de Francilene também participa da peça, Fábio Vinícius Barbosa, 10, é Macduff – nobre escocês responsável pela morte de Macbeth. O garoto, de 10 anos, se diz apaixonado por tragédias. “Sempre gostei de histórias assim, quando passa na televisão não tiro o olho, estou acostumado”, explica de onde vem as referências para não se assustar com a densidade Shakespeariana.

Daniel Martins é professor de teatro e literatura. Ele coordena os trabalhos do Núcleo de Vivência Teatral, projeto da Oficina Mãe, que fica em Iracemápolis. “Eles escolhem o texto, não sou eu, o que eu faço é contar histórias”, diz em relação a preferência das crianças por textos considerados adultos. “A escolha deles me assustou no começo”, confessa.

Tão surpreendente quanto o tema preferido da garotada é o convite de um dos maiores festivais de teatro do Brasil. No final de março, os atores mirins e o professor embarcam para Curitiba. Eles vão participar do Festival Internacional de Teatro. “É uma honra! A gente foi chamado para representar a região”, conta Matheus Almeida da Silva, 10 anos. “Eu vou voltar ‘me achando’ de lá”, brinca Gabriela Pereira de Souza, 11 anos. “A sensação é de que estamos pulando para o último degrau”, completa Martins.

Sentimento bom dividido com a platéia. “O teatro não me cativava. Agora eu nem consigo explicar a experiência que tive vendo essas crianças, foi emocionante”, conta a dona de casa Selma Martins, de 35 anos.

Alheia a todos esses acontecimentos, uma transformação foi acontecendo sem que ninguém soubesse explicar direito. “Antes da peça, a gente não tinha assunto em casa, agora somos como papagaios, só falamos do teatro”, diz a Lady Macbeth de 12 anos. “Eu sou um menino, ainda não sei muita coisa, mas tenho noção das minhas responsabilidades”, conta Macduff, de 10. “Antes eu era um moleque ‘tontão’, não sabia de nada, poluição, crise... Agora eu penso, olha como o mundo está, a gente tem que ensinar essas coisas para as pessoas”, ensina Matheus Almeida da Silva, no auge dos seus 10 anos. 

O professor sabe que está mudando a vida das crianças que participam do projeto, mas essa parceria trouxe outros frutos. “Elas me ajudaram a fazer as pazes com o teatro”, conta.
No dia-a-dia, os pequenos decodificam referências culturais a que estão expostos e sem querer transformam isso em experiência. “Tudo o que a gente faz no projeto, acaba se tornando parte da realidade deles”, explica o professor.

Parece até que o educador sabia que ensinar por meio da cultura faz parte de um modelo de reforma da educação na América Latina e no Caribe proposto pela Unesco. Recentemente o professor e coordenador geral da Iniciativa Inter-Americana de Capital Social, Bernardo Kliksberg, reiterou o que disse em 1992, no lançamento do programa. “A base da reforma é promover o ensino por meio da cultura, e é isso que fortalece a sociedade”, diz o coordenador no texto As Chaves Esquecidas do Desenvolvimento.

Assim como o argentino Kliksberg, autor da reforma, Gabriela, antes de fazer parte do projeto, queria ser professora. Depois da experiência no teatro os planos mudaram. “Agora não tem jeito, sou atriz”, diz.

4 comentários:

  1. Seguinte:

    A matéria enfatiza o teatro enquanto agente transformador do homem - que é a tônica do meu trabalho - e traz contribuições importantes como a informação sobre o modelo de reforma na educação proposto pela Unesco. Nesse sentido, tiro o meu chapéu e agradeço calidamente a iniciativa da Redação que, como eu, sabe do seu papel transformador.

    Ainda assim, o texto cai no erro ingênuo ou preguiçoso de acreditar que essa transformação está ilustrada na dicotomia barata entre a erudição shakespeariana e o Hip Hop ouvido em casa. Já havia chamado a atenção para esse tipo de postura. Particularmente, não vejo grandes diferenças entre esse direcionamento simplista e as perguntas levianas que os jornalistas da Rede TV! fazem aos atores globais, questionando mais sobre sua vida pessoal do que sobre o seu trabalho na teledramaturgia.

    Se FranciLAINE gosta ou desgosta de Black Music, isso pouco importa ao nosso trabalho. Não há relação alguma com as questões estéticas e pedagógicas que norteiam nossa prática teatral. Sobretudo, esta abordagem cria a falsa idéia de que um apreciador da obra de WilliaM Shakespeare só pode gostar de música clássica ou erudita, e isso é uma bobagem.

    O mesmo é válido para as preferências das crianças nos temas violentos e nas narrativas de impacto. Procura polêmica onde não tem. Se, por um lado, a obra encenada possui altos índices de violência, por outro (e isso só pode ser afirmado por quem assistiu ao espetáculo), é protagonizado pelas crianças com autoridade e consciência. É o que, de fato, Fábio demonstrou na sua colocação e agradeço a vocês por terem reproduzido a fala integralmente.

    Mesmo a publicação do meu texto (no post acima) - publicação que agradeço de desde já, pois divulga verdades duras e que, repito, precisam ser lembradas - é um indicador dessa polêmica. Ora, vocês são freqüentadores razoáveis do meu blog e sabem que há ali uma quantidade considerável de artigos no mínimo interessantes sobre teatro. Me chateia um pouco que só agora tenha um deles comentado por vocês - e pela simples razão de que se trata de um texto "afiado e polêmico". Me surpreende vê-lo aqui um dia depois da postagem original em meu blog e com a chamada inédita: "O professor reclama, para concordar ou discordar clique em..."

    Cria novamente a falsa idéia de que o trabalho de vocês está meramente calcado na busca incessante por um "ponto fraco". Quando todos sabemos que ele é muito maior do que isso.

    Já havia exposto meu ponto de vista a vocês anteriormente. Mas agora que a matéria é pública, faço questão de deixar meu posicionamento público também - certo de encontrar em meus interlocutores uma mente aberta ao diálogo e me colocando, claro, à disposição para debates e esclarecimentos.

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  2. “O que censuro aos jornais é fazer-nos prestar atenção todos os dias a coisas insignificantes, ao passo que lemos três ou quatro vezes na vida os livros em que há coisas essenciais” (Proust - No Caminho de Swann)

    O Missão Repórter entende que a prática do jornalismo está sujeita a questionamentos e críticas, inclusive das fontes, que podem discordar livremente do posicionamento editorial seguido por determinada publicação. Mas a nossa equipe também entende que o processo de construção da notícia está sujeito a erros.

    Referente a essa matéria, o único problema reconhecido por nossa redação é a troca de duas letras no nome de uma das crianças entrevistadas. No vídeo, FrancilEne, na verdade é FrancilAIne. Erro muito comum, cometido por grandes profissionais da área jornalística.
    Nesse caso, sem interferências que mereçam destaque.

    Comum também é o desejo de algumas fontes, que por ingenuidade ou preguiça, acreditam que cabe aos jornalistas reproduzir ideais de interesse particular. Talvez venha daí uma série de descontentamentos e decepções com o trabalho jornalístico.

    É fato que pouco importa o gosto musical da menina e do irmão dela diante do belíssimo trabalho realizado pelo coordenador do Núcleo de Vivência Teatral. Mas por que não falar o que a garota faz na casa dela? Qual o problema em relacionar essas informações?

    A equipe também acredita que a publicação do texto crítico, escrito pelo professor, não foi planejada com base na busca por ‘pontos fracos’. E que a chamada, que convida a participação dos leitores, faz parte de um alinhamento editorial que propõe a participação da opinião pública, essa que é um dos pilares do jornalismo.

    Não acreditamos que se trata de simplismo ou leviandade. Trata-se de um modelo de construção da informação característico desse gênero. Consolidado por quem, de fato, tem interesse nesse formato: o público.

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  3. Tentarei ser mais conciso, comentando somente dois trechos específicos:


    1. MR: Algumas fontes que "acreditam que cabe aos jornalistas reproduzir ideais de interesse particular."

    - Acredito que cabe ao jornalista informar, trabalho muito bem executado na matéria referida, mas que, na minha sincera opinião, peca pelo excesso. Não obstante a excelente exposição do teatro enquanto instrumento pedagógico, o texto enveredou (ou melhor, "escorregou") por um terreno infrutífero, tentando encaixar forçosamente idiossincrasias com o material cênico. Não é preciso ser um hermeneuta para perceber como essas pequenas informações estão deslocadas do resto do texto.

    Bem compreendo que o... lead (é esse o termo?) toca justamente no encontro inusitado entre crianças e uma obra altamente rebuscada da literatura inglesa e que, nesse sentido, parece quase impossivel esquivar-se de comentários sobre uma suposta "discrepância" entre universos tão distintos. Certamente é uma grande ingenuidade ou preguiça da minha parte sonhar com um interesse mais artístico pelo assunto - vocês não são críticos teatrais e, penso, não pretendem sê-lo.

    Parafraseando o velho amigo Biajoni (mais esperto do que eu), esse tipo de iniciativa normalmente gera "engulhos à intelligentsia que costuma ver coisas assim como 'ai, que fofo, gente pobre tentando fazer teatro!'."

    Nâo chegaram a tanto, eu confesso. Ainda assim, se me permitem a colocação (não de um jornalista, mas de alguém que faz parte do "público"), diante do peso da matéria, a curiosidade doméstica aqui levantada é inócua, gratuita e irrelevante. Em nada contribui. Trata-se, contudo, de um pequeno detalhe no organismo do texto que - não preciso enfatizar - é altamente qualificado.


    2. MR: "Qual o problema em relacionar essas informações?"

    - O problema é que essas informações não têm relação alguma.


    à disposição,

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  4. Cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães" (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

    A equipe do Missão Repórter lamenta algumas palavras do professor e quer deixar claro que em momento algum quis prejudicar ou expor situações e preferências apenas por acreditar que pobre tentando fazer teatro é 'fofo'. Até porque sabemos que as crianças em questão não estão tentando, e sim, conseguindo, no gerúndio. Como o próprio Daniel Martins disse em sua entrevista sobre estar transformando a vida delas.

    O Missão Repórter deseja sorte às crianças e a todos os envolvidos com o Núcleo de Vivência Teatral. Que possam ter o reconhecimento merecido.

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